Morte feliz dos religiosos
From book "Meditações de Santo Afonso de Ligório para cada dia do ano"... Beati mortui qui in Domino moriuntur. Amodo iam di...
Beati mortui qui in Domino moriuntur. Amodo iam dicit Spiritus, ut requiescant a laboribus suis – “Bem-aventurados os mortos que morrem no Senhor. Desde agora diz já o Espírito Santo que descansem dos seus trabalhos” (Ap 14, 13)
Sumário. Para te confirmares na tua vocação, imagina que estás a ponto de morrer e próximo a comparecer no tribunal de Jesus Cristo. Pensa o que então mais desejarás ter feito. Será talvez teres ajudado à casa e feito a vontade própria, com as honras de pároco, de cônego, de ministro? Ou antes, morrer na casa de Deus, assistido de teus bons confrades, depois de uma vida na Religião sob a obediência e desapegado de todas as coisas da terra?
I. Quem serão estes bem-aventurados mortos que morrem no Senhor, senão os Religiosos que no fim da vida se acham já mortos no mundo, tendo-se desapegado dele e de todos os seus bens, por meio dos santos votos? — Considera, meu irmão, quanto estarás contente, se, seguindo a tua vocação, tiveres a ventura de morrer na casa de Deus. O demônio te representará que, afastando-te do mundo e perseverando na Religião, depois poderás arrepender-te de teres deixado a tua casa e a tua pátria, de teres privado os parentes de algum proveito, que de ti podiam esperar. Mas pergunta a ti mesmo: Na hora da morte estarei arrependido ou contente por ter executado a minha resolução?
Por isso te peço: Imagina que estás à morte e próximo a comparecer perante o tribunal de Jesus Cristo. Pensa o que então mais desejarás ter feito, reduzido a tal estado. Será talvez teres contentado os parentes, teres feito benefício à casa ou à tua terra; morreres cercado dos parentes, dos sobrinhos, dos cunhados, depois de uma vida em tua casa com as honras de pároco, de cônego, de ministro? Ou não será antes teres vindo a morrer na casa de Deus, assistido de teus bons irmãos de religião, que na grande passagem te animarão; depois de teres vivido muitos anos na humilhação, na mortificação e na privação dos bens, longe dos parentes, sem vontade própria, debaixo da obediência e desapegado de todas as coisas da terra; circunstâncias estas todas que tornam doce e amável a morte?
O Papa Honório, quando estava para morrer, desejava ter ficado no mosteiro a lavar os pratos e não ter sido Papa. Na hora da morte, Filipe II, rei de Espanha, desejava ter sido leigo em algum convento e não rei. Filipe III, igualmente rei de Espanha, dizia na morte: Tomara que tivesse servido a Deus num deserto, em vez de ser monarca: porque agora compareceria com mais confiança perante o tribunal de Jesus Cristo.
II. Quando, pois, o demônio te tentar para abandonares a tua vocação, pensa na morte e imagina que estás próximo do grande momento do qual depende a eternidade. Assim vencerás todas as tentações, permanecerás fiel a Deus, viverás e morrerás contente.
O nosso Padre Januário Maria Sarnelli (1), pouco antes de morrer, falando com Deus, disse:
“Senhor, Vós sabeis que tudo quanto tenho feito, tudo quanto tenho pensado, tem sido para glória vossa: agora suspiro por Vos ir ver face a face, se assim o quiserdes.”
Depois acrescentou:
“Eia, quero pôr-me em doce agonia.”
Em seguida entrou em doce colóquio com Deus e momentos depois expirou placidamente com um sorriso nos lábios. O mesmo se dará contigo, meu irmão, e experimentarás com quanta razão São Bernardo, falando do estado religioso, exclamou:
“Ó vida segura, na qual se espera a morte sem temor e mesmo se suspira por ela com alegria, e é acolhida com afeto.”
Meu Senhor Jesus Cristo, que para me alcançardes uma boa morte, escolhestes para Vós uma morte tão amargosa, já que me amastes a ponto de me escolherdes para seguir mais de perto as vossas pegadas, a fim de me verdes assim mais unido e apertado ao vosso Coração amantíssimo; prendei-me agora, Vo-lo peço, todo a Vós com os doces laços de vosso amor, a fim de que nunca mais me aparte de Vós. Meu amado Redentor, desejo ser-Vos grato e responder a tão grande graça; mas, por causa de minha fraqueza, temo ser-Vos infiel. Jesus meu, não o permitais: deixai-me morrer antes do que abandonar-Vos e esquecer-me do afeto especial que me tendes havido.
Amo-Vos, meu amado Salvador; Vós sois e sereis sempre o único Senhor do meu coração e da minha alma. Deixo tudo e escolho-Vos, só a Vós, por meu único tesouro, ó Cordeirinho puríssimo de Deus, ó meu afetuosíssimo Amador! Ide-vos embora, ó criaturas: o meu único bem é meu Deus! Ele é o meu único amor, o meu tudo. Amo-Vos, ó Jesus meu e em amar-Vos quero empregar todo o resto da minha vida, quer seja breve, quer longa. Abraço-Vos e aperto-Vos ao meu coração e abraçado convosco quero morrer. É esta a graça que Vos peço, não quero outra. Fazei com que eu viva sempre abrasado em vosso amor e quando chegar o fim de minha vida, fazei-me expirar num ato de amor ardente para convosco. — Imaculada Virgem Maria, obtende-me esta graça: de vós a espero.
———- * As pessoas seculares podem tomar a meditação para a terça-feira da quinta ou sexta semana depois da Epifania ou alguma das meditações que se acham no fim do volume (veja-se Apêndice n. V), e o mesmo farão sempre quando encontrarem uma meditação imprópria a seu estado. Pede-se, porém, a todos os sacerdotes e a todos os jovens, em particular nos Seminários ou Colégios, leiam sempre as meditações relativas ao estado religioso. Talvez o Senhor queira servir-se delas para chamar uma alma a uma vida mais perfeita e para fazer dela um instrumento da sua maior glória.
Referências:
(1) O Ven. P. Januário Maria Sarnelli, de quem fala aqui Santo Afonso, foi um de seus primeiros companheiros. Morreu em Nápoles no dia 30 de junho de 1744, com 42 anos de idade. O processo de Beatificação foi introduzido há tempos e esperamos vê-lo em breve sublimado às honras do altar.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 161-164)
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