Jesus no Santíssimo Sacramento, modelo de virtude
Do livro "Meditações de Santo Afonso de Ligório para cada dia do ano"... Qui appropinquant pedibus eius, accipient de doctr...
Qui appropinquant pedibus eius, accipient de doctrina illius – “Os que chegam a seus pés, receberão da sua doutrina” (Dt 33, 3)
Sumário. Para a nossa salvação, é mister que no dia do juízo a nossa vida se ache conforme à de Jesus Cristo. Esforcemo-nos, pois, por imitar os exemplos luminosos de virtude que Ele nos dá continuamente no Santíssimo Sacramento da Eucaristia: a sua humildade profunda, a sua mansidão inalterável, aceitando de boa vontade o que Deus manda. Para suprirmos ao que nos falta, ofereçamos a Deus muitas vezes, e particularmente na missa, os merecimentos do divino Redentor.
I. Consideremos os belos exemplos de virtude que nos dá Jesus Cristo na Santíssima Eucaristia. Inefável é a sua paciência. Ele vê que a maior parte dos homens não O adora neste sacramento, nem O quer reconhecer pelo que é. Já antes da instituição sabia que muitas vezes os homens chegariam a calcar aos pés as hóstias consagradas e a atirá-las sobre a terra, à água e ao fogo.
Mas o que mais Lhe amargura o coração tão sensível, é o ver que também a maior parte dos que n’Ele creem, em vez de repararem tantos ultrajes pelos seus obséquios, ou vão à Igreja para o ofenderem pela sua irreverência, ou o deixam abandonado sobre os altares, desprovidos às vezes de lâmpada e dos ornamentos necessários. Tudo isso Jesus, escondido sob as espécies eucarísticas, o vê e sabe, e todavia sofre-o com paciência e fica calado. Oh, que exprobração de nossa loquacidade nos momentos de ira!
É igual à humildade de Jesus, pois que em nenhuma obra de seu divino amor se ocultou tanto como no mistério do Santíssimo Sacramento. Para nos inspirar confiança, e ao mesmo tempo, para nos dar um remédio de nosso orgulho, chegou a ocultar a sua Majestade, a esconder as suas grandezas, a consumir e aniquilar a sua vida divina. Pode, portanto, com razão dizer-nos de dentro do tabernáculo: Discite a me, quia mitis sum et humilis corde – “Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração.” (1)
Mas sobretudo o Senhor nos dá na Eucaristia exemplos de obediência. Enquanto vivia na terra, diz São Lucas que Ele obedecia a Maria Santíssima e a São José (2). São Paulo acrescenta que Jesus se fez obediente a seu Pai Eterno até a morte na cruz (3). Mas neste sacramento Jesus vai mais longe ainda, pois aí quer obedecer não somente ao Eterno Pai, não somente a seus pais, mas a tantas criaturas quantos sacerdotes há, e não somente até à morte, mas enquanto durar o mundo. Coisa assombrosa! O Rei do céu desce à terra por obediência ao homem; e sobre os altares parece que não faz outra coisa senão obedecer aos homens, deixando-se tratar por todos conforme entenderem, sem replicar uma palavra, sem se subtrair à obediência. Ego autem non contradico, retrorsum non abii – “Eu não contradigo; não me retirei para trás.” (4)
II. Diz São Paulo que para nossa salvação é mister que no dia do juízo a nossa vida se ache conforme a de Jesus Cristo: Quos praescivit et praedestinavit conformes fieri imaginis Filii sui – “Os que Ele conheceu na sua presciência, também os predestinou para se fazerem conformes à imagem de seu Filho” (5). Esforça-te, portanto, por imitares as virtudes exímias de que o divino Redentor nos dá na Santíssima Eucaristia; exemplos tão luminosos.
Por isso sê sempre e em tudo obediente às leis de Deus e aos preceitos da Santa Madre Igreja. Se tiveres a ventura de viver numa comunidade religiosa, considera todas as prescrições da Regra como ordens vindas do céu e a pessoa do superior como pessoa do próprio Deus.
Sê também humilde e prova sê-lo não somente com palavras, senão com obras, aceitando tranquilamente as humilhações, os desprezos e levando enquanto o permitir o teu estado, uma vida retirada e oculta. Mas, sobretudo, sê sempre paciente, suportando os defeitos do próximo, assim como este deve suportar os teus. Aceita também de boa vontade as cruzes que Deus te envia para teu bem. Para suprir as tuas faltas, oferece ao Senhor muitas vezes, e especialmente nas visitas a Jesus sacramentado ou na assistência à santa missa, os merecimentos de teu divino Redentor.
Pai Eterno, ofereço-Vos hoje todas as virtudes, todos os atos e todos os afetos do coração do vosso querido Jesus. Aceita-os em meu nome, e pelos seus merecimentos (que aliás são todos meus, porque Jesus m´os cedeu), dai-me aquelas graças que Jesus os pede por mim. Com esses merecimentos agradeço-Vos toda a misericórdia que tivestes para comigo. Com eles satisfaço o que Vos devo em expiação de meus pecados. Por meio deles espero de Vós todas as graças: o perdão, a perseverança, o paraíso e, sobretudo, o dom supremo do vosso amor.
Vejo que sou eu quem opõe impedimentos a tudo; remediai também a esta minha miséria. Eu Vô-lo peço em nome de Jesus Cristo, que prometeu: Si quid petieritis Patrem in nomine meo, dabit vobis – “Se pedirdes alguma coisa ao Pai em meu nome, Ele vô-lo dará” (6). Não m’o podeis portanto recusar. Senhor, o que quero é amar-Vos, dar-me inteiramente a Vós e nunca mais ser-Vos ingrato, assim como hei sido até agora. Olhai para mim e atendei-me; fazei que o dia de hoje seja o de minha conversão, para nunca mais deixar de Vos amar. Amo-Vos, meu Deus; amo-Vos, bondade infinita; amo-Vos, meu amor, meu paraíso, meu tesouro, meu tudo. Amo-vos também a vós Mãe de Deus e minha Mãe, Maria.
Referências:
(1) Mt 11, 29 (2) Lc 2, 51 (3) Fl 2, 8 (4) Is 50, 5 (5) Rm 8, 29 (6) Jo 16, 23
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 162-165)
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