Loucura dos Pecadores
Do livro "Meditações de Santo Afonso de Ligório para cada dia do ano"... Melior est puer pauper et sapiens rege sene et stu...
Melior est puer pauper et sapiens rege sene et stulto, qui nescit praevidere in posterum – “Melhor é um moço pobre e sábio, do que um rei velho e insensato, que não sabe prever nada para o futuro” (Ecl 4, 13)
Sumário. Pobres pecadores! Trabalham, afadigam-se para adquirir as ciências humanas ou a arte de granjearem os bens da vida presente, que em breve acaba, e não cuidam dos bens da outra vida, que nunca termina; ou, antes, renunciam a eles por uma satisfação passageira. Não sejamos tão loucos. Lembremo-nos que o Senhor nos pôs neste mundo tão somente para merecermos a vida eterna, e digamos muitas vezes conosco: Para que serve ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a alma? Perdida a alma, tudo está perdido.
I. Pobres pecadores! Trabalham e afadigam-se para adquirirem os bens mundanos ou a arte de granjearem os bens da vida presente, que acabará em breve, e não cuidam dos bens da outra vida, que nunca terá fim. Os infelizes perdem de tal forma a razão, que não só se tornam insensatos, mas brutos. Sim, porque, como diz São João Crisóstomo, ser homem é ser racional, é agir segundo a razão, e não segundo o apetite sensual. Assim como de um animal que agisse conforme a razão, se diria que age como homem, assim se deve dizer que o homem age como animal, quando, contra a razão, se deixa guiar unicamente pelos sentidos. É exatamente o que fazem os pecadores, que não consideram o que é bem nem o que é mal, seguem unicamente o instinto animal dos sentidos, prendendo-se apenas ao que atualmente lisonjeia a carne, sem pensarem no que perdem e na ruína eterna que atraem sobre si.
Oh! Como é mais sábio o simples aldeão que se salva, do que um monarca que se condena! Melhor é um moço pobre e sábio, do que um rei velho e insensato, que nada sabe prever para o futuro. Não se consideraria como louco aquele que, para ganhar presentemente uma pequena quantia, se expusesse ao risco de perder todos os seus haveres? E não deverá ser tido por louco o que, por uma pequena satisfação, perde a alma e se arrisca a perdê-la para sempre? O que faz a desgraça de tantas almas que se condenam, é o ocuparem-se unicamente dos bens e dos males presentes, sem cuidarem nos bens e nos males eternos.
Deus certamente não nos colocou no mundo para alcançarmos riquezas, adquirirmos honras ou contentarmos os nossos sentidos, mas sim para ganharmos a vida eterna. A única coisa importante para nós deve ser a realização deste fim: Porro unum est necessarium (1) — “Só uma coisa é necessária” . Ora, é este fim o que mais desprezam os pecadores. Só pensam no presente, caminham para a morte, estão próximos da eternidade e não sabem para onde caminham. Que diríeis do piloto, pergunta Santo Agostinho, que, perguntado para onde vai, respondesse que o ignora? Toda a gente diria que levaria a embarcação ao naufrágio certo. Tais são os sábios do mundo, que sabem ganhar dinheiro, gozar dos divertimentos, adquirir dignidades, mas não sabem salvar a alma.
O mau rico conheceu a arte de enriquecer, mas morreu e foi sepultado no inferno: Mortuus est, et sepultus est in inferno (2). Alexandre Magno soube conquistar muitos reinos, mas, depois de poucos anos, morreu e se perdeu eternamente. Henrique VIII da Inglaterra sustentou-se habilmente no trono, apesar de sua revolta contra a Igreja; mas no fim, reconhecendo que perdia a alma, fez esta confissão: “Tudo para mim está perdido” — Perdidimus omnia .
II. Ante hominem vita et mors: quod placuerit ei, dabitur illi (3) — “Diante do homem estão a vida e a morte: o que lhe agradar, ser-lhe-á dado” . Meu irmão, neste mundo tens diante de ti a vida e a morte, isto é, a privação dos prazeres proibidos com a vida eterna, ou o gozo desses prazeres com a morte eterna. Que dizes? Qual é a tua escolha? Escolhe como homem e não como bruto. Escolhe como cristão iluminado pela fé e dize: Quid prodest homini, si universum mundum lucretur, animae vero suae detrimentum patiatur? (4) — Para que serve ao homem ganhar o mundo inteiro, se depois vier a perder a alma? Oh! Quantos desgraçados estão chorando no inferno e dizem: Quid nobis profuit superbia? (5) — “De que proveito foi para nós o orgulho?” Eis que para nós todos os bens do mundo passaram qual sombra e nada mais nos resta senão lamentos e penas eternas.
Ó meu Deus, destes-me a razão, destes-me a luz da fé e, todavia, no passado, comportei-me qual bruto, sacrificando a vossa graça a miseráveis prazeres sensuais, que passaram como o vento, e só me deixaram remorsos de consciência e contas para dar à vossa divina Justiça. Non intres in iudicium cum servo tuo (6) — “Não entres em juízo com o teu servo” . Ah, Senhor, não me julgueis pelo que mereci; mas tratai-me segundo a vossa Misericórdia. Iluminai-me; dai-me dor das ofensas que Vos fiz e perdoai-me.
Erravi sicut ovis, quae periit: Quaere servum tuum (7) — Sou a ovelha tresmalhada; se não me procurardes, continuarei perdida. Pelo Sangue que derramastes por meu amor, tende piedade de mim. Ó meu soberano Bem, pesa-me de Vos ter abandonado e de ter renunciado voluntariamente à vossa graça. Quisera morrer de dor; dignai-Vos aumentar ainda essa dor. Fazei que eu vá ao Céu para cantar as vossas misericórdias. — Ó Maria, minha Mãe, Vós sois o meu refúgio, rogai a Jesus por mim; rogai-Lhe que me perdoe e me dê a santa perseverança.
Referências:
(1) Lc 10, 42 (2) Lc 16, 22 (3) Eclo 15, 18 (4) Mt 16, 26 (5) Sb 5, 8 (6) Sl 142, 2 (7) 118, 176
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 264-267)
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