Os bens do mundo não nos podem fazer felizes
Do livro "Meditações de Santo Afonso de Ligório para cada dia do ano"... Vidi in omnibus vanitatem et afflictionem animi – ...
Vidi in omnibus vanitatem et afflictionem animi – “Vi em tudo vaidade e aflição do ânimo” (Ecl 2, 11)
Sumário. Os irracionais que foram criados para a satisfação dos sentidos acham a felicidade nos bens da terra, e possuindo-os nada mais desejam. A alma humana, porém, criada para amar a Deus e estar-lhe unida, nunca achará a paz nos prazeres dos sentidos, como demasiadamente prova a experiência. Só Deus pode contentá-la plenamente. Qual não será, pois a nossa loucura, se, deixando o Senhor, corrermos atrás dos bens falazes do mundo!
I. Neste mundo todos os homens trabalham para alcançar a paz. Afadiga-se tal negociante, tal soldado, tal litigante, porque imaginam que realizando o negócio, obtendo a desejada promoção, ganhando a demanda, farão fortuna e acharão a paz. Pobres mundanos, que procuram a paz no mundo, que lha não pode dar! Só Deus pode dar-nos a paz: Da servis tuis, assim ora a Igreja , illam quam mundus dare non potest pacem — “dai aos vossos servos a paz que o mundo não pode dar” . Não, o mundo com todos os seus bens não pode contentar o coração do homem, porque o homem não foi criado para esses bens, mas somente para Deus, donde resulta que só Deus o pode satisfazer. Os animais, que foram criados para os bens materiais, acham a paz nos bens terrestres. Mas a alma, que foi criada tão somente para amar a Deus e viver com Ele unida, nunca poderá achar a paz nos gozos dos sentidos; só Deus a pode tornar plenamente contente.
São Lucas fala de um rico que, tendo obtido colheita abundante de seus campos, disse assim para consigo: “Minha alma, tens muitos bens em depósito para largos anos; descansa, come, bebe, regala-te.” (1) Mas este desgraçado foi tratado como insensato. E com razão, diz São Basílio; ou não queria por ventura equiparar-se aos animais imundos, e pretendia contentar sua alma com a comida, com a bebida e com os deleites sensuais? Nunquid animam porcinam habes?
Numa palavra, assim conclui São Bernardo, o homem pode encher-se de bens do mundo, mas nunca saciar-se com eles. — Escrevendo o mesmo Santo a propósito desta passagem do Evangelho: Ecce nos reliquimus omnia — “Eis que nós deixamos tudo” , acrescenta que viu no mundo diversos doidos, que todos eram atormentados por uma grande fome. Para se fartar, uns comiam terra: imagem dos avarentos; outros aspiravam o ar; imagem dos ambiciosos; outros que estavam próximos de uma fornalha, recebiam na boca as centelhas que voavam: imagens dos coléricos; outros, enfim, à beira de uma lagoa paludosa, bebiam dessas águas corrompidas: imagens dos desonestos. Depois o Santo, dirigindo-se a eles, exclama: Ó insensatos, não vedes que estas coisas, longe de matar a fome, só podem atiçá-la? Haec potius famem provocant, quam extinguunt.
II. Os bens do mundo têm somente aparência de bens, é por isso que não podem saciar o coração do homem. Comedistis et non estis satiati (2) — “Comestes e não fostes saciados” . Assim o avarento, quanto mais adquire, e o dissoluto, quanto mais se revolve em seus deleites, tanto mais se mostra, a um tempo, desgostoso e ávido de novos prazeres. O mesmo acontece ao ambicioso, que quer saciar-se com uma fumaça. Se os bens da terra pudessem contentar o homem, os ricos, os monarcas seriam perfeitamente felizes, mas a experiência prova o contrário. É o que Salomão declara, afiançando-nos que nada tinha negado aos sentidos: Vanitas vanitatum et omnia vanitas (3) — “Vaidade das vaidades, e tudo é vaidade”.
Que me resta, meu Deus, das ofensas que Vos fiz, senão penas, amarguras e títulos para o inferno? A dor que sofro agora não me desagrada; pelo contrário consola-me, porque é efeito de vossa graça, e já que Vós a excitais em mim, dai-me a confiança que me quereis perdoar. O que me aflige é a amargura de que Vos enchi, ó meu Redentor, que tanto me haveis amado. Merecia ser então abandonado, meu Senhor, mas, em lugar de me abandonardes, vejo que me ofereceis o perdão e que sois o primeiro a pedir a paz. Sim, meu Jesus, quero fazer as pazes e desejo a vossa graça mais do que qualquer outro bem.
Arrependo-me de Vos ter ofendido, Bondade infinita, e por isso quisera morrer de dor. Eu Vos suplico, pelo amor que me tendes tido, a ponto de por mim expirar na cruz: perdoai-me e recebei-me no vosso Coração. Mudai o meu coração de tal sorte, que Vos dê tanto gosto no futuro, como no passado Vos causei desgosto. Pelo vosso amor, renuncio a todos os gozos que o mundo me possa oferecer e tomo a resolução de antes querer perder a vida que a vossa graça. Dizei-me o que tenho a fazer para Vos ser agradável; estou pronto a tudo fazer.
— Prazeres, honras, riquezas, a tudo renuncio; só a Vós quero, meu Deus, minha alegria, meu tesouro, minha vida, meu amor, meu tudo! Ajudai-me, ó Senhor, a Vos ser fiel. Fazei que Vos ame, e disponde de mim como Vos aprouver.
— Maria, minha Mãe e minha Esperança depois de Jesus, recebei-me debaixo da vossa proteção e fazei com que eu seja todo de Deus.
Referências:
(1) Lc 12, 19 (2) Ag 1, 6 (3) Ecl 1, 2
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 175-178)
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