Santo Afonso, modelo de Mortificação
Do livro "Meditações de Santo Afonso de Ligório para cada dia do ano"... Castigo corpus meum et in servitutem redigo, ne fo...
Castigo corpus meum et in servitutem redigo, ne forte, cum aliis praedicaverim, ipse reprobus efficiar — “Castigo o meu corpo, e o reduzo à escravidão, com temor de que não suceda que, tendo pregado aos outros, eu mesmo seja reprovado” (1 Cor 9, 27)
Sumário. Para chegar à perfeição, a mortificação é indispensável. Persuadido desta verdade, Santo Afonso cuidou primeiramente de reprimir as paixões interiores e particularmente a ira, à qual era propenso pela sua índole. À mortificação interior juntou sempre a exterior dos sentidos, recusando-se qualquer satisfação. Se quisermos ser filhos do santo Doutor, procuremos imitar os seus exemplos; e para sermos mais bem-sucedidos, tornemo-nos familiar a meditação da Paixão de Jesus Cristo, e estudeis sempre, com Afonso, o grande livro do Crucifixo.
I. Os santos que agora reinam no céu, não nasceram santos, mas assim se tornaram fazendo violência a si mesmos e mortificando-se. Para serem bem-sucedidos numa tarefa tão penosa à natureza humana, tinham sempre os olhos fitos na vida daquele de quem está escrito:
Proposito sibi gaudio, sustinuit crucem (1) — “Tendo diante de si o gozo, sustentou a cruz”.
Santo Afonso estudou também sempre o grande livro do Crucifixo, e, guiado por ele, fez tão grandes progressos na virtude da mortificação, que podia dizer com o Apóstolo:
“Com o Cristo fui cravado na cruz; e vivo, já não eu, mas Cristo em mim” (2).
Antes de mais nada, cuidou em reprimir as paixões interiores e em particular os ímpetos de ira, à qual era bastante propenso pelo seu temperamento bilioso. Com o auxílio de Deus foi tão bem-sucedido, que nas inúmeras ocorrências durante o seu cargo de missionário, de superior e de bispo, nunca se deixou surpreender nem pelos assaltos repentinos, com que o comum inimigo sempre lhe buscava armar ciladas. A mortificação interior juntou também a exterior dos sentidos, recusando-se não só as coisas ilícitas, mas também as lícitas e justas.
Aos seus olhos nunca permitiu espraiarem a vista sobre objetos mesmo indiferentes. Refreou sempre a língua, exercendo-se continuamente na prática do silêncio e nunca falando, a não ser para a maior glória de Deus e a salvação das almas. Se, na sua presença, alguém fazia cair a conversa sobre coisas inúteis, despachava-o logo, também para não comprometer o seu voto de nunca perder tempo, e dizia: Pois bem, roga a Deus por mim, e eu o farei por ti.
A sua abstinência foi tal que dele quase se pode dizer o que o Senhor disse de João Batista:
Neque manducans neque bibens (3) — “Não comia, nem bebia”
Além disso, nunca se queixava quando o pouco alimento que tomava, não estava bem preparado; ele mesmo tornava-o insípido com ervas amargosas e absinto. Numa palavra, Santo Afonso foi tão longe na virtude da mortificação, que a Igreja lhe aplica o mesmo elogio que dá àquele prodígio de inocência e penitência, São Luiz de Gonzaga, dizendo:
Miram vitae innocentiam pari cum poenitentia socians (4) — “A uma maravilhosa inocência de vida juntou uma penitência igualmente admirável”
Felizes de nós, se conseguíssemos reproduzir em nós mesmos um modelo tão acabado!
II. O fruto da presente meditação nos será sugerido pelas seguintes palavras de Santo Afonso mesmo aos seus filhos. “ Não entramos na Congregação ”, dizia o santo, “ para nos fazermos mestres e doutores, mas para nos mortificar, para refrear as nossas paixões e nos tornar santos… É uma máxima falsa que aquele que chegou a um alto grau de perfeição, não precisa mais da mortificação. Eu digo que, quanto mais algum for perfeito, tanto mais a deve praticar. Temos inimigos poderosos que, até a nossa morte, não cessarão de nos atacar; pelo que, até a morte, a mortificação deve ser a nossa companheira inseparável e devemos sempre ter a espada na mão. A nossa grande arte deve ser a mortificação contínua. Não concedamos ao nosso inimigo a mais leve vitória; senão, logo se tornará gigante indomável. A nossa Congregação é uma escola de mortificação ” (5).
Ó Jesus, meu amabilíssimo Redentor, estou envergonhado de comparecer à vossa presença, vendo-me tão apegado aos prazeres da terra. Durante a vossa vida não pensastes senão em padecer por mim; além disto destes-me no vosso servo Afonso um modelo perfeitíssimo de mortificação, e eu até agora não pensei senão em satisfazer os meus apetites desordenados, apesar de com eles Vos ofender. É verdade que fiz muitos bons propósitos e muitas vezes Vos prometi executá-los; mas com negligência demasiada os pus em prática. Ah! Meu Senhor, dai-me força a fim de que para o futuro não seja mais assim.
Prolongais a minha vida, a fim de que comece a mortificar-me e santificar-me, e quero fazê-lo unicamente para Vos agradar. Amo-Vos, † Jesus meu, amo-Vos sobre todas as coisas; amo-Vos de todo o coração, com todas as minhas forças, com toda a minha alma. De todo o coração me arrependo de todos os pecados, pelos quais Vos ofendi, ó bondade infinita, e prometo de hoje em diante antes querer morrer do que tornar a cometê-los. Ó Virgem Santíssima, e esperança minha, Maria, suplico-vos, pelo amor de Santo Afonso, que me socorrais, e alcançai-me a graça de ser constante nestes meus propósitos.
Referências: (1) Hb 12, 2. (2) Gl 2, 19. (3) Mt 11, 18. (4) Lect. II Noct. (5) Pe. Berruti, C.Ss.R., Espírito de Santo Afonso.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a duodécima semana depois de Pentecostes até ao fim do ano Eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 424-427)
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