Sublimidade do Mistério da Encarnação
Do livro "Meditações de Santo Afonso de Ligório para cada dia do ano"... Et Verbum caro factum est, et habitavit in nobis –...
Et Verbum caro factum est, et habitavit in nobis – “E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós” (Jo 1, 14)
Sumário. A criação de mil mundos, cada qual maior e mais formoso, teria sido uma obra infinitamente inferior ao mistério da Encarnação do Verbo. Para realizar esta obra tão sublime, era precisa toda a onipotência, toda a sabedoria infinita de um Deus. Uma natureza humana devia unir-se a uma pessoa divina, e uma pessoa divina devia humilhar-se até tomar a natureza humana e tudo isto por que? Por amor a homens ingratos e rebeldes, por amor de nós, que nem sequer sabemos sofrer por amor de Jesus Cristo uma humilhação, um desprezo.
I. O Senhor mandou Santo Agostinho gravar no coração de Santa Maria Madalena de Pazzi as palavras: Verbum caro factum est . Ah! Roguemos ao Senhor queira iluminar o nosso espírito e fazer-nos compreender o excesso e prodígio de amor, pelo qual o Verbo eterno, o Filho de Deus, se fez homem por nosso amor. A santa Igreja fica tomada de temor na contemplação deste grande mistério: Consideravi opera tua et expavi — “Considerei as tuas obras e fiquei tomado de temor” (1). A formação de mil mundos, mil vezes maiores e mais formosos que o nosso, teria sido obra infinitamente inferior à Encarnação. Fecit potentiam in brachio suo — “Manifestou o poder do seu braço” (2). Na obra da Encarnação foi precisa toda a onipotência e a sabedoria infinita de um Deus, para que a natureza humana fosse unida com uma Pessoa divina, e uma Pessoa divina tomasse a natureza humana. Desta forma Deus se fez homem e um homem foi feito Deus.
Tendo-se, pois, a divindade do Verbo unido a alma e ao corpo de Jesus Cristo, ficaram sendo divinas todas as ações do Homem-Deus: divinas as suas orações, divinos os seus sofrimentos, divinos os seus vagidos, divinas as suas lágrimas, divinos os seus passos, divinos os seus membros, divino o seu sangue, derramado para se tornar um banho salutar capaz de apagar todos os nossos pecados, e um sacrifício de valor infinito para aplacar a justiça do Pai, justamente indignada contra os homens. — Que são estes homens? Criaturas miseráveis, ingratas e rebeldes. Foi por eles todavia que um Deus se fez homem, que se sujeitou a todas as misérias humanas! E para salvar estes indignos que padeceu e morreu! Humiliavit semetipsum, factus obediens usque ad mortem, mortem aulem crucis — “Humilhou-se a si mesmo, feito obediente até a morte, até a morte de cruz” (3).
Ó santa fé! Se a fé no-lo não assegurasse, quem poderia crer que um Deus de majestade infinita se tenha abaixado a fazer-se verme como nós, para nos salvar a custo de tantas dores e ignomínias, de uma morte tão cruel e vergonhosa? O gratiam, O amoris vim! Exclama São Bernardo. Ó graça tão sublime que nunca os homens poderiam ter imaginado, se Deus mesmo não a tivesse excogitado! Ó amor divino e incompreensível! Ó misericórdia, ó caridade infinita. Apesar disso os homens, vendo um Deus tão humilhado, ficam tão orgulhosos, que nem sabem sofrer por amor desse Deus uma leve injuria, uma humilhação, um desprezo!
II. Ó alma, ó corpo, ó sangue do meu Jesus, eu vos adoro e vos agradeço! Vós sois a minha esperança, o preço pago para me resgatar do inferno tantas vezes merecido pelos meus pecados. Ó meu Deus, que vida desgraçada, que desespero me caberia em sorte por toda a eternidade, se Vós, meu Redentor, não tivésseis pensado em livrar-me pelas vossas dores e morte! Mas como podem então as almas, remidas por Vós com tão grande amor, e sabendo isto, como podem viver sem Vos amar e desprezar a graça que Vós lhes alcançastes ao preço de tantos trabalhos? Eu também não sabia tudo isto? e como Vos pude então ofender, e ofender tão repetidas vezes? Mas repito-o: o vosso sangue é a minha esperança.
Ó meu Salvador, reconheço a grande injuria que Vos fiz. Antes tivesse morrido mil vezes! Oxalá Vos tivesse sempre amado! Mas graças Vos dou por me dardes ainda tempo para o fazer. Durante a vida que me resta e durante toda a eternidade, espero louvar incessantemente as vossas misericórdias para comigo. Depois dos meus pecados era digno de mais densas trevas, e Vós me comunicastes mais luzes. Merecia que me abandonásseis, e me perseguistes com mais amorosos convites. Merecia que o meu coração ficasse mais endurecido, e o tornastes enternecido e compungido. Pela vossa graça sinto grande dor das ofensas que Vos fiz; sinto um grande desejo de Vos amar; sinto-me resolvido a antes perder tudo do que a vossa amizade; sinto para convosco um tão grande amor que me faz aborrecer tudo o que Vos desagrada; e esta dor, este desejo, esta resolução e este amor, quem é que mos inspira? Sois Vós pela vossa misericórdia.
Meu Jesus, isto me é um penhor de que já me perdoastes; é um penhor de que me amais e a todo custo me quereis salvo. Vós me quereis salvo, e eu me quero salvar principalmente para Vos dar gosto. Vós me amais e eu também Vos amo. Mas amo-Vos pouco, dai-me mais amor, Vós mereceis que Vos ame mais depois de ter recebido graças mais especiais do que os outros. Sim, abrasai mais em mim o fogo do amor.
— Maria Santíssima, obtende que o amor de Jesus consuma e destrua em mim todos os afetos que não sejam para Deus. Vós atendei a todos; atendei-me também a mim. Obtende-me amor e perseverança.
Referências: (1) In Circ. Dom. resp, 6 (2) Lc 1, 51 (3) Fl 2, 8
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima Semana depois de Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 410-413)
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