Última ceia de Jesus Cristo com os seus discípulos
Do livro "Meditações de Santo Afonso de Ligório para cada dia do ano"... Vespere autem facto, discumbebat (Iesus) cum disci...
Vespere autem facto, discumbebat (Iesus) cum discipulis suis – “Chegada, pois, a tarde, pôs-se (Jesus) à mesa com os seus discípulos” (Mt 26, 20)
Sumário. Imaginemos ver Jesus Cristo que, sentado à mesa com os discípulos, come o Cordeiro Pascal, figura do sacrifício d’Ele mesmo, que no dia seguinte seria oferecido sobre o altar da Cruz. Imaginemos vê-Lo também no momento de prostrar-Se diante dos Apóstolos e de Judas para lhes lavar os pés. Vendo um Deus que Se humilha a tal ponto por nosso amor, ficaremos sempre tão orgulhosos, que não sabemos suportar uma palavra de desprezo, a mais leve falta de atenção?
I. Sabendo Jesus que era chegada a hora de sua morte, em que devia partir deste mundo, como até então tinha amado os homens com amor excessivo, quis naquela hora dar-lhes as últimas e maiores demonstrações de seu amor. Vede-O, como sentado à mesa e todo inflamado de amor, Se volta para os seus discípulos e lhes diz: Desiderio desideravi hoc Pascha manducare vobiscum (1) — “Tenho desejado ansiosamente comer convosco esta Páscoa” . Discípulos meus (e o mesmo disse Jesus então a todos nós), sabei que em toda a minha vida não tive outro desejo senão o de celebrar convosco esta Última Ceia; porquanto logo em seguida irei sacrificar-Me pela vossa salvação.
Portanto, ó meu Jesus, tendes tão vivo desejo de dar a vida por nós, as vossas miseráveis criaturas? Ah! Esse vosso desejo, como não deve excitar em nossos corações o desejo de padecer e morrer por vosso amor, visto que por nosso amor desejais tão ansiosamente padecer e morrer! Ó amado Redentor, fazei-nos saber o que quereis de nós; queremos agradar-Vos em tudo. Queremos dar-Vos gosto para respondermos ao menos um pouco ao grande amor que nos tendes.
Entretanto é posto na mesa o cordeiro pascal, figura de nosso Salvador mesmo. Assim como aquele cordeiro foi consumido na Última Ceia, assim o mundo veria no dia seguinte o Cordeiro divino, Jesus Cristo, consumido de dores sobre o altar da Cruz.
Itaque cum recubuisset ille (Ioannes) supra pectus Iesu — “Tendo-se ele (João) reclinado sobre o peito de Jesus” (2) . Ó feliz de vós, João, discípulo predileto, que reclinando a cabeça sobre o peito de Jesus, compreendestes a ternura do Coração do nosso amante Redentor para com as almas que O amam! — Ah! Meu dulcíssimo Senhor, que repetidas vezes me favorecestes com tão grande graça! Sim, pois que eu também compreendi a ternura do vosso afeto para comigo cada vez que me consolastes com luzes celestes e doçuras espirituais. Mas, não obstante isso, Vos fui infiel! Suplico-Vos que não me deixeis mais viver tão ingrato para com a vossa bondade! Quero ser todo vosso: aceitai-me e socorrei-me.
II. Deinde mittit (Iesus) aquam in pelvim, et coepit lavare pedes discipulorum (3) — “Depois (Jesus) deita água numa bacia e começa a lavar os pés dos discípulos” . — Minha alma, contempla a teu Jesus que Se levanta da mesa, depõe suas vestiduras e, tomando uma toalha branca, Se cinge. Em seguida deitando água numa bacia, de joelhos diante de seus discípulos, começa a lavar-lhes os pés. Eis, pois, que o Rei do mundo, o Unigênito de Deus, Se humilha até lavar os pés a suas criaturas! Ó Anjos, que dizeis a isso? Já teria sido um grande favor, se Jesus Cristo lhes houvera permitido lavarem-Lhe com lágrimas os pés divinos, assim como permitiu à Maria Madalena. Jesus, porém, quis prostrar-Se aos pés dos seus servos, a fim de nos deixar no fim da sua vida este grande exemplo de humildade, e mais esta grande prova do amor que tem aos homens.
E nós, ó Senhor, seremos sempre tão orgulhosos que não sofremos uma palavra de desprezo, uma pequena falta de atenção, sem que logo fiquemos ressentidos, e nos venha o pensamento de vingança? Todavia, pelos nossos pecados temos merecido sermos calcados aos pés dos demônios no inferno.
Ah, meu Jesus, reconheço que é um grande castigo de meus pecados o terem-me feito soberbo, depois de me terem feito ingrato. Para o futuro não será assim; pois que o vosso exemplo me fez as humilhações sumamente amáveis. Prometo que de hoje em diante suportarei por vosso amor qualquer injúria e afronta que me seja feita; mais, desejo e peço ser humilhado conVosco. — Mas, ó Senhor, para que servem estes meus propósitos sem o vosso auxílio para executá-los? Já que me quereis salvo, ó meu Jesus desprezado, ajudai-me a suportar em paz todos os desprezos que em minha vida tenha de receber. Concedei-me esta graça pelo mérito dos opróbrios que sofrestes, e pelas dores de vossa e minha querida Mãe Maria.
Referências:
(1) Lc 22, 15 (2) Jo 13, 25 (3) Jo 13, 5
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 379-382)
Gostou da leitura? Compartilhe com um amigo...